Bilhete

Prometi a mim mesmo que não faria uma carta; Porém, cá estou eu, tentando explicar para a pessoa que fui há alguns anos, as vicissitudes daquilo a que vulgarmente denominamos - amor.
Há muitos anos, eu acreditava na história perfeita: um amor sólido, o futuro a dois sendo costurado dia a dia. Quem sabe fosse, em parte, uma idealização absorvida nas obras literárias sobre as quais me debruçava desde o final da infância.
A superproteção sob a qual me vi envolto até a maioridade, talvez tenha me alienado ainda mais de tudo que se situava ao redor de mim. Entrementes, olhando detidamente, esse é um detalhe que pouco importa.
O que quero contar, minha cara lembrança, meu sincero reflexo de alguns anos atrás, é que as suas (nossas) experiências, em especial as frustrantes, te permitiram aprender a se desvencilhar do fatalismo, a acolher e respeitar a dor.
Sobre aquela época, cerca de cinco anos atrás, você admirava a lua várias noites seguidas, e, nela, sempre distinguia formas, sorrisos, cabelos pretos, cacheados, um composto tão perfeito, que te impediu de notar o óbvio: toda a suposta perfeição te ignorava, deixava submerso convenientemente sob sua influência, tornando reféns o seu olhar súplice e os versos apaixonados e submissos.
A desilusão te empurrou para outros destinos, como um barco sem vela, perdido no mar. Ali, sem saber ao certo (ou sabendo sem querer perceber), a frustração, a inconstância de uma despedida fria e veloz, acertaram, de forma consistente, esse seu coração que ainda não sabia a importância que tinha o autocuidado.
Não passou tanto tempo, e a vida pareceu te dar uma nova chance. Durante meses, você pode ter uma convivência a dois intensa, apaixonada, e pela primeira vez, deu um sorriso pleno para a vida. No entanto, a certeza - cotidianamente repetida - da impossibilidade de um futuro conjunto, te afastou gradativamente, sem alarde, até que tudo pareceu um fato distante e isolado.
O tempo... Pode ser o maior protagonista de todas as histórias. Ele te mostrou que o amor pode - precisa - nascer da amizade, dos hábitos. Das pequenas doações, dos gestos. E pode crescer até que, num dia qualquer, os problemas presentes, a incompreensão, te façam perceber que amar apenas não resolve nada. É preciso um caminho, uma certeza. Essa talvez tenha sido a descoberta mais dolorosa, e uma das mais profundas também.
Os dias se passaram. Semanas, meses. Você se percebeu carente, ou melhor, sequer notou, não quis, quem sabe... Impulsivamente, tentou uma nova história. Pensou em fugir. Mas logo descobriu que, ao contrário dos best sellers enlatados que se vendem por aí, das telenovelas com seus enredos sempre tão comuns, além dos filmes hollywoodianos, cheios de (velhos!) clichês, o amor não aceita grandes diferenças. Talvez por isso, dessa vez tenha sido tudo menos dolorido. Tão rápido doeu e passou.
Meses depois, sim, a vida sorriu, mesmo em meio a um cenário adverso. Ali, você se sentiu inundar em poesia, por mais que sempre parecesse faltar algo. A intuição e as experiências não mentiram. Nem mesmo com um "nosso para sempre" gravado com aquela letra, num velho caderno, na tarde dele encontro, que não se supunha como o do término.
A negação foi longa, você sempre a via em todos os cantos, em vários rostos, mesmo sabendo que não estava ali. Também evitou encontrar novas respostas em velhas feições. Viveu plenamente a sua dor, sabendo, como diz a música da banda Bidê ou Balde, que "é sempre amor mesmo que mude."
E foi mudando. E a partir daí, começou a viver. Sem medo de estar só, respeitando o próprio tempo, mesmo sem ter tantas certezas. Hoje, entretanto, sabemos que o amor se transforma, que velhos versos não cabem em novas concepções, estando, porém, orgulhoso de tê-los sentido, de lhes dar forma em meio à verdade sob a qual surgiram. E me orgulho de você, por termos aprendido, que o amor sozinho não basta, no confronto com o real, na aspereza das situações, na superação - ou não - de certas mágoas, de possíveis escolhas. O amor é livre, e talvez isso importe mais que uma solidão a dois.
Seguimos, você, eu, uno, buscando o futuro.
Te agradeço.

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