Dos Amores Virtuais


Eusébio olhou o céu azul, naquela manhã de terça poluída; impossível de se ver qualquer sinal de neblina, em meio a tanto concreto… A alma dele corria como o vento que encostava em sua janela; livre, rápida, solta demais.
Tinha uma rotina comum. Lia, escrevia textos para horóscopo (só aí sua habilidade era valorizada, se bem que de forma anônima e oportunista), livros de ficção pouco lidos também. Curtia diversas postagens nas redes sociais. Adepto de selfies, apaixonado por fotos de praia. Ah, quanta beleza exibida naquelas imagens que se colocavam uma acima da outra. Admirava, porém raramente fazia algum comentário sobre. Evitava constrangimentos e mal entendidos. Não o fazia meramente por virtude, e sim por certezas.
Tinha um amigo chamado Odésio. Este era a personificação perfeita do tempo. Não perdia tempo, marcava as meninas, puxava conversas, sempre muito específicas. Sabia qual o seu objetivo mais claro: não se apegar a ninguém, e ter várias aos seus pés.
Apesar dessas sutis diferenças, eram amigos de fato. Às vezes um chorava na casa do outro, e se as causas de tais prantos não eram tão verdadeiras, de forma que tocassem no âmago de um e outro, as lágrimas eram extremamente reais, quentes e salgadas.
Odésio era sempre mais direto. Não gostava de rodeios. E assim, tentava fazer com que Eusébio fizesse igual. Este contornava, não gostava de ser tão direto, e, a bem da verdade, já havia desistido de encontrar aquilo que estava à procura. It Must Have Been Love sempre parecia fazer sentido após pequenos períodos. Habituou-se a isso. Estava cansado da procura. Quieto ficou.
Cora era uma menina doce, não a ponto de não saber como corrigir posturas de algumas pessoas. O suficiente, porém, para que se percebesse em cada gesto seu, um rompante de vida a se expor, trazer leveza à vida das pessoas que lhe eram próximas. Guardava mágoas, que aos poucos estavam a se curar, como parte da vida enterrada e que poderia submergir, sob nova roupagem, a qualquer momento.
Sua rotina era comum; estudava, lia, dava aulas de matemática. A paixão pelos números era tamanha que, muitas vezes ela se perguntava porque a vida não poderia ser uma simples e infinita formulação de cálculos.
Tinha algumas amigas; a mais importante, no entanto, se chamava Mirtes. Esta, por sua vez, por mais amiga que fosse, não conseguia estar presente mesmo à distância, diante das inquietações alheias, não deixava de dar o seu (caro, posto fosse raro também) conselho. Sempre cautelosa, sabia medir as situações, tal qual se apresentavam, antevendo alguns riscos.
Dito isso, passemos à história de fato.
Eusébio mexia muito no Instagram, tinha uma conta regularmente visitada, posto não fosse comercial – afinal, seus leitores não o conheciam – e um dia se deparou com um perfil, cuja foto lhe chamou a atenção, e na descrição da bio, percebeu que tinham conhecidos em comum. Enviou uma solicitação, na expectativa de que ela o aceitasse naquele mesmo dia.
Cora tinha um horário específico para usar o Instagram; costumeiramente, inseria stories, enviava e respondia mensagens no direct pela manhã. A cada dez dias, uma foto ou vídeo pro feed. Observou aquela solicitação; analisou os seguidores em comum daquele novo seguidor, as fotos no perfil… Aparentemente, tudo certo. Aceitou. Esqueceu.
A partir daí, o nosso herói (ou o avesso disso, quem sabe!), a partir de aprendizado, experiência e conselhos recebidos de Odésio, passou a ser figura presente nas postagens, stories e lives de Cora. Ela, porém, pouca atenção dava, tão acostumada estudava aos quotidianos comentários em falsas imagens de felicidade, tão publicizadas e que tanto ferem, sorrateiramente, no silêncio de uma tela. Eusébio não compreendia: nenhuma atenção ela lhe dispensava, ao cabo de dois meses sequer lhe seguia de volta…
Pediu conselho a Odésio, que prontamente lhe respondeu pelo WhatsApp:
- Envia uma mensagem.
Eusébio ficou em silêncio. Por fim:
- Tu está certo.
Encerraram a conversa.
Logo que viu um story novo sobre lugares que ela gostaria de ir, foi enfático: eu também. Pensou: Talvez ela só curta, e deixe de mão.
Para a sua sorte, digamos assim, ela respondeu. Uma coisa foi puxando em direção à outra, e assim, em menos de um mês ele estava extremamente enamorado. Cora, por sua vez, tinha medo. Perguntava para Mirtes como descobrir um possível logro. Corações machucados na vida real podem até se colocar no meio virtual, à procura do amor verdadeiro. Entrementes, tão logo surge a possibilidade, surge a natural dúvida.
Essa dúvida possuía Cora. 
Em uma videochamada com Mirtes, esta disse:
- Precisa saber o que de fato você e ele querem.
- Eu só estou conhecendo ele.
- Precisam saber o que querem.
A conversa não durou mais que quinze minutos. Nesse mesmo dia, Cora e Eusébio conversavam. Precisavam se conhecer de fato. Resolveram se encontrar em uma velha praça da cidade. Adentrou a noite. A primeira impressão foi boa.
Assim se seguiram mais três, quatro, cinco. Ao final do terceiro, o primeiro beijo.
Como nem tudo são flores, com um mês já discutiam sobre coisas diversas, traços de personalidades distintas em conflito.
Resolveram parar de falar, Cora primeiro. Eusébio queria insistir, mas viu que não dava pé.
Silêncios preenchendo parte da vida.
Ou os famosos cancelamentos.
Cerca de uma semana e meia depois da briga, Eusébio estava em casa, quando de sopetão seu amigo Marcos, jovem seminarista, por lá apareceu. Este notou que o seu amigo de infância guardava algo. Inquiriu. Soube do que se tratava.
- Lembro de todas as histórias que me contou. Todas as meninas pelas quais se apaixonou. Todas as histórias tem um ponto em comum. Você, que sempre tem medo, que foge quando as coisas não ocorrem exatamente como quer. Detalhe: nós não somos máquinas, não podemos atender às expectativas do outro, mal às nossas e mesmo essas podem não depender só da gente. A vida te dá uma chance nova, por caminhos um tanto sinuosos, e, ainda assim verdadeiros. Pede desculpa, vive. O que passou, passou. A vida real, a convivência presencial são o fim e o começo de qualquer relação sólida, mesmo que comece em outro meio, sob outra perspectiva.
Eusébio mudo.
Marcos, já de saída:
- Pensa no que te falei.
- Tudo bem.
Não havia o que pensar. Eusébio já estava enviando a mensagem. O pedido de desculpas. Cora aceitou esse pedido. Mirtes e Odésio não compreenderam a razão dos seus amigos estarem mantendo contato ainda. Pra Eusébio e Cora, isso pouco importava. Uma palavra leva à outra, da mesma forma que um pedido leva ao outro. Bocas se reencontraram, mãos se entrelaçaram. O que não se posta se vive em paz.
Casaram há alguns dias. Parecem jovens felizes, e creio mesmo que sejam.

FIM
 

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