O Ocaso no Dia

Era um fim de tarde como qualquer outro na vida de Ana. Tomou banho, se enxugou com uma pequena e velha toalha, pôs o vestido colado no corpo. Na sala, sua filha Lélia e o pequeno Roberto a esperavam. Resolveu preparar um lanche, pra que não voltassem para casa com fome.
Rápidos, se alimentaram. Em seguida, pediu reservadamente a Lélia que a esperassem sair. Ia para o trabalho. Ela argumentou que não podia ser vista com a mãe. O que pensariam dela? Diante do olhar triste e suplicante, cedeu. Pegaram o ônibus que chegava à avenida principal do bairro vizinho, Lélia numa cadeira atrás, Roberto e Ana conversando à frente. Sorriam, indiferentes no momento a tudo que se delineava ao redor. Lélia lembrou a mãe que estava próxima do ponto no qual desceria. Ana pagou rapidamente a passagem, atravessou a catraca, apertou a cordinha e desceu. Tendo descido, ainda falou a Roberto:
"Vovó te espera amanhã, lá em casa. Amanhã tu dorme comigo."
Ele sorriu. Ela também.
Atravessou a avenida, em direção ao outro ponto de ônibus. Pegou o primeiro em direção à velha rodoviária. 58 anos, 25 deles na labuta noturna. Há muito tempo atrás fora casada com um homem chamado Rodrigo, pai de Lélia. Trabalhava como mecânico, impedia que saísse de casa pra longe, não devia trabalhar, só cuidar da filha. O dinheiro com o qual se mantinham era regrado. Vamos botar numa poupança, pro futuro da nossa filha, dizia. Ela assentia, crente na felicidade futura.
Um dia, Rodrigo sumiu no mundo. Deixou um bilhete com algumas dúzias de palavras, dizendo que não fugiria da responsabilidade de ajudá-la - financeiramente - a cuidar da filha. O dinheiro da conta, nem sinal. O cartão ele levou, inclusive. Sem facilidade pra arranjar vaga de doméstica (não era tão nova como muitas meninas que vinham do interior!), se adequou a essa função, sugerida por um amigo de seu antigo companheiro.
Muitas noites no frio, desprotegida, abusada. Transformada em objeto - ou máquina - por pessoas diversas. Sempre queria sair, porém incessantemente, necessitava sobreviver. A duras penas, a filha formou em Enfermagem, conseguiu um emprego, um tanto precário, começou a namorar. O genro, Eduardo, a conheceu, mas devido a concepções religiosas da família dele, resolveram de comum acordo que Lélia diria ser orfã. Casaram, enfim. Elas se veriam sorrateiramente, em dias determinados. Tempos depois, nasceu Roberto. O xodó da avó, a razão de seus sorrisos em meio à inconstância do ofício.
No dia seguinte se veriam. Um alento, descanso necessário e merecido.
Quase passava do ponto no qual precisava descer. Saiu sob olhares indiscretos, maliciosos, cruéis. E seguiu em direção ao destino das situações cotidianas.

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